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terça-feira, 23 de setembro de 2014

17. APÊNDICE


Retrato da duquesa D. Isabel no retábulo da Adoração do Cordeiro Místico


Introduz-se este anexo um pouco à margem do trabalho que apresentamos sobre os Painéis. Foi, no entanto, o primeiro texto de investigação que escrevemos e que nos permitiu vencer a inércia e nos dar o alento necessário para nos aventurar na pesquisa e investigação e elaborar o presente estudo dedicado ao políptico encontrado no mosteiro de S. Vicente de Fora.

Esta análise incide sobre um painel do célebre retábulo da Adoração do Cordeiro Místico[1], concluído em 1432, da autoria dos irmãos Hubert e Jan van Eyck. Trata-se daquele que representa a Sibila de Cumas (fig.66)[2] situado no nicho superior centro-direita do retábulo quando este se encontra na sua posição de fechado.



A figura está ajoelhada e tudo indica de que está grávida: veja-se a colocação da sua mão direita sobre o ventre. A leitura da faixa que está à sua volta confirma esse estado ao anunciar o nascimento de uma criança: “REX A(LTISSIMUS) ADVE(N)IET P(ER) SEC(U)LA FUTUR(US) SCI(LICET) I(N) CARN(E)”, isto é, em português corrente “o rei supremo assumirá a forma humana para governar pelos séculos fora”.
                  

                               Fig.66                                                    Fig.67

Esta personagem representa segundo alguns autores D. Isabel de Portugal, duquesa da Borgonha. A duquesa, que de facto estava grávida no ano em que o retábulo foi concluído anuncia, sob a imagem de uma sibila, o nascimento do filho cuja gestação decorreu entre Julho de 1431 e Abril de 1432. Contudo esta criança, Josse, faleceria com 4 meses (em Agosto). Já em Fevereiro os Duques da Borgonha tinham perdido outro filho, António, com 13 meses de idade.
Existe uma cópia de um retrato[3] (fig.67)[4], também da autoria de Jan van Eyck, que ajuda a confirmar esta identificação. Este retrato foi realizado para Filipe o Bom quando o pintor esteve em Portugal (1428-1429) integrado na embaixada que negociou o casamento da infanta portuguesa com o duque da Borgonha. Comparando as duas imagens salta à vista a grande semelhança existente entre as toucas, golas e cintos.
Há ainda mais um pormenor naquele painel que nos permite afirmar que a imagem[5] retrata efectivamente a duquesa da Borgonha. 
Fig.68

No vestido da senhora é legível a palavra MEIAPAROS (fig.68), de significado desconhecido, mas para a qual propomos uma interpretação. Repare-se que o P da palavra se confunde com um D, pelo que podemos ajustá-la para MEIAP(D)AROS. Admitindo que se trata de um anagrama, facilmente se chega a uma solução que nos permite identificar a senhora como “DAME ISA POR”, isto é, Dama Isabel de Portugal. Esta leitura remete-nos imediatamente para a inscrição “L’INFANTE DAME ISABIEL” colocada precisamente por cima no retrato (fig.67) referido atrás.
As pinturas de Jan van Eyck incluem muitos destes jogos de palavras (rebos, anagramas), letras invertidas e mensagens escritas.

A figura retratada de D. Isabel aparece aqui também associada a uma sibila. Já no quadro atribuído ao mestre flamengo Roger van der Weyden (fig.4) existe, no canto superior esquerdo, a inscrição PERSICA SIBYLLA Iª. Pensamos que em ambos os casos se trata também da utilização intencionada de um anagrama cuja solução é Isabel: SIBYLLA <> YSABILL.






[1] Catedral Saint-Bavon, Gand, Bélgica
[2] Cortesia Closer to Van Eyck: Rediscovering the Ghent Altarpiece, http://closertovaneyck.kikirpa.be/
[3]Torre do Tombo, Lisboa, Cópia a tinta-da-china (séc. XVII) do retrato da infanta D. Isabel pintado por Jan van Eyck em 1429. À roda do quadro lê-se a seguinte inscrição “Cest la pourtraiture qui fu envoiié a phe duc de bourgoingne & de brabant de dame ysabel fille de roy Jehan de portugal & dalgarbe seigneur de septe par luy conquise qui fu depuis feme & espeuse du desus dit duc phe                 
[4] Cortesia Wikipedia
[5] Cortesia Closer to Van Eyck: Rediscovering the Ghent Altarpiece, http://closertovaneyck.kikirpa.be/