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terça-feira, 23 de setembro de 2014

2. O REGENTE

Como salientámos no capítulo anterior o motivo principal dos Painéis é o resgate da memória do infante D. Pedro, o que se coaduna com a posição de destaque que este assume nos Painéis (fig. 1)[1].
Fig.1

Conhecem-se duas descrições físicas do infante D. Pedro. Rui de Pina descreve-o assim “homem de grande corpo, e de seus membros em todo bem proporcionado, e de poucas carnes; teve o rosto comprido, nariz grosso, olhos um pouco moles, os cabelos da cabeça crespos, e os da barba algum tanto ruivos como inglês.[2] O “Documento do Rio de Janeiro”[3] descreve um retrato seu, que existia no mosteiro de Odivelas, do seguinte modo “...onde era o rosto somente, tinha na cabeça uma caraminhola em modo de barrete de veludo carmesim que parece que se usava naquele tempo, o rosto comprido, e o pescoço muito comprido, com um nó muito grande na garganta...”.


Comparando o personagem dos Painéis com o relato feito por Rui de Pina, confirma-se que é uma figura bem constituída, magra, cujo rosto comprido tem uns olhos um pouco mortiços. Os cabelos apresentam-se encaracolados (crespos) na zona da nuca onde se sobrepõem ao barrete. Como não tem barba não é possível apurar se era ruiva como a de um inglês. Porém a sua fisionomia é, de todas as 60 retratadas, aquela que mais traços e aparência tem com o tipo fisionómico dos habitantes do norte da Europa. Os seus olhos são claros (verdes?). Quanto ao nariz ele é mais para o grande (grosso) do que para o pequeno. Como vemos esta descrição do cronista condiz na totalidade com a figura que identificamos como o infante D. Pedro.


Acrescente-se que nesta época o adjectivo grosso tinha também o significado de grande ou volumoso. Veja-se por exemplo estes dois extractos tirados da mesma crónica que descreve o aspecto físico do infante D. Pedro: “…acordava de mandar em guarda da costa o almirante Ruy de Mello com vinte náos grossas e outros navios, e com muita gente…[4]; “E até então se lançaram na villa por todas, oitocentas e dez pedras grossas…[5]
O texto do “Documento do Rio” confirma o relato de Rui de Pina (o rosto comprido) e acrescenta mais dois pormenores que são também visíveis nesta personagem dos Painéis: o pescoço muito comprido, com um nó muito grande na garganta.         
Conclui-se que os dois relatos, feitos por autores diferentes e em épocas distintas, permitem sustentar a nossa hipótese de identificação.

Comparando ainda os formatos dos seus olhos e nariz com os da sua irmã[6], no painel do Arcebispo, deduz-se que são ambos idênticos.
O infante D. Pedro nasceu no final de 1392 tendo recebido uma educação de elevado nível a qual não é estranha a influência da sua mãe, D. Filipa de Lencastre. Terá aprendido latim, leis e ciências.

Em 1415 toma parte na conquista de Ceuta, após a qual é armado cavaleiro. Logo a seguir o seu pai, D. João I, cria e atribui-lhe o título de duque de Coimbra. Realiza mais tarde uma viagem por as algumas das principais cortes da Europa e ainda à Terra Santa, que termina em 1428. Como resultado deste périplo recebe do imperador Segismundo a marca de Treviso, na Inglaterra é investido como cavaleiro da ordem da Jarreteira, em Veneza o Doge oferece-lhe um exemplar do Livro de Marco Pólo e compra um mapa-mundi[7]. Terá ainda iniciado as negociações do seu casamento e o do seu irmão D. Duarte, na corte de Aragão, e também o da sua irmã D. Isabel, na corte da Borgonha.
Homem de letras redigiu na Flandres a conhecida Carta de Bruges (1426) dirigida ao seu irmão D. Duarte, futuro rei, na qual explana o seu pensamento sobre uma nova forma de exercer o poder régio. Escreveu o livro O Livro da Virtuosa Benfeitoria (1418-33) cuja redacção final terá sido feita por Frei João Verba, onde expõe as suas ideias sobre os estratos sociais do reino e as interacções que devem ser observadas entre eles.
Casa em 1429 com D. Isabel de Urgel, filha dos condes da Catalunha, com quem teve seis filhos, que atingiram lugares de muito relevo:
  • D. Pedro (1429), condestável de Portugal e rei de Aragão
  • D. João (1431), membro da ordem do Tosão de Ouro, casou com a herdeira do reino de Chipre
  • D. Isabel (1432), rainha de Portugal pelo seu casamento com D. Afonso V
  • D. Jaime (1434), cardeal de Santo Eustáquio, bispo de Arras e arcebispo de Lisboa
  • D. Beatriz (1435), casou com Adolfo de Clèves, senhor de Ravenstein
  • D. Filipa (1437), preceptora do príncipe, futuro D. João II

 
Opôs-se à conquista de Tânger (1437), que acabou por culminar num fracasso com a prisão do seu irmão, o infante D. Fernando. Defendeu, na sequência deste desastre, a devolução de Ceuta em troca da libertação deste infante.

Entre os anos de 1439 e 1448 assume, durante a menoridade do seu sobrinho e genro D. Afonso V, a regência do reino. Este período é marcado pela expansão dos descobrimentos e pelo desenvolvimento mercantil. São ainda publicadas um conjunto de regras e normas sob o título de Ordenações Afonsinas.

O infante D. Pedro, após abandonar a regência, é alvo de uma série de intrigas lançadas pelo seu meio-irmão D. Afonso, conde de Barcelos/duque de Bragança, junto de D. Afonso V. Estas insídias vão culminar na batalha de Alfarrobeira (Maio de 1449) com a morte do duque de Coimbra e a retirada de privilégios a todos aqueles que estiveram ao lado.






[1] Cortesia Wikipedia
[2] PINA, Rui de - Chronica de El Rei D. Affonso V, Vol II., Lisboa, 1902, cap.CXXV, pág. 110
[3] ALVES, Artur da Motta - Os painéis de S. Vicente num códice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: Academia Nacional de Belas-Artes / Imprensa Moderna, 1936. Manuscrito encontrado em 1936 na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro por Artur da Mota Alves, no qual um desconhecido faz uma descrição dos retratos de figuras régias existentes em Lisboa. É datado do final do século XVI e deve ter sido levado para o Brasil, com outros documentos, quando a família real fugiu da 1ª invasão francesa no final de 1807.
[4] PINA, Rui de - Op. cit., Vol II, cap.CXXXVIII, pág. 143
[5] PINA, Rui de - Op. cit., Vol II, cap.CXL, pág. 157
[6] Ver capítulo seguinte
[7] Estes objectos serão utéis ao desenvolvimento dos Descobrimentos coordenados pelo infante D. Henrique